Legislativas 2024 e envelhecimento: precisamos de mudanças de fundo!
A Associação Nacional de Gerontólogos (ANG) considera que, de uma forma global, há uma preocupação por parte dos diferentes partidos políticos em apresentar medidas que promovam o envelhecimento ativo e digno em Portugal, a destacar:
- Numa lógica de reorganização das respostas, destacamos positivamente as medidas que fomentam o envelhecimento no lugar (garantido que as pessoas podem envelhecer no lugar que desejam), o reforço da resposta mais efetiva e ampla por parte do SNS em complementaridade com o setor solidário e o aumento da capacidade de resposta na rede de prestadores de cuidados. Ainda a referir a necessária revisão do Estatuto do Cuidador Informal, prevendo que a atribuição da compensação monetária seja alargada, revendo os critérios que atualmente excluem a maioria dos cuidadores informais em Portugal.
- Na vertente da capacitação, destacar a aposta na formação dos profissionais em matéria do envelhecimento e dos cuidadores informais.
- No domínio das pensões, há uma intenção clara de todos os partidos em rever o atual sistema de pensões, revendo os critérios de atribuição do Complemento Solidário para Idosos (aumentando o valor, mas também excluindo os rendimentos do agregado familiar desta contabilização). Parece existir um consenso que as oportunidades de acesso à saúde, participação e segurança dependem, em primeira instância, dos rendimentos das pessoas, e que, por isso, é fundamental garantir que nenhuma pessoa mais velha viva abaixo do limiar da pobreza.
- No domínio da representatividade, destacamos a criação de instrumentos que incluam as próprias pessoas mais velhas na definição de estratégias e políticas para vidas longevas. Esta representatividade é fulcral para garantirmos que a pessoa mais velha é colocada no centro da análise e da discussão das problemáticas.
Todos os partidos apresentam iniciativas, globalmente positivas, mas pecam por se apresentarem de um modo fragmentado, ou seja, isoladas de um modelo, de uma estratégia devidamente definida para se alcançarem resultados estruturais e de mudança de paradigma.
É necessária uma política integrada que defina um modelo de atuação capaz de interligar todos os domínios que o envelhecimento e a longevidade abrangem. Fica em falta uma visão de médio e longo prazo, visão essa que inclua os profissionais especializados no envelhecimento, baseada na ciência e na empiria.
Os trabalhadores do setor solidário
Na ótica da ANG, os programas eleitorais falham ao não incluir medidas específicas sobre os trabalhadores que estão no setor solidário - um setor que funciona como uma extensão do Estado, co-assumindo as responsabilidades do mesmo no que concerne à proteção social de públicos vulneráveis, onde se incluem as pessoas mais velhas. Este setor tem dificuldades de contratação e retenção de quadros de pessoal especializados, uma vez que o salário médio de um profissional licenciado, neste setor, está distante do salário médio em Portugal.
Portugal não pode incluir medidas que profissionalizem os recursos humanos se depois não lhes apresenta oportunidades de progressão (salarial e de condições de trabalho), compatíveis com as suas expectativas pessoais. A equiparação dos profissionais do setor solidário à função pública é uma discussão que tem que ser levantada, garantindo iguais oportunidades de remuneração e progressão, assim como acesso a subvenções de saúde, considerando que são profissões de desgaste. A ANG acredita que só podemos construir um Estado Social forte se investirmos nas pessoas que, através da sua profissão, são o garante dos direitos e da dignidade dos públicos mais vulneráveis.
Saúde como um todo, não meramente corretiva.
As medidas apresentadas preconizam uma visão remediativa, reforçando a ideia de que o envelhecimento é um problema e as pessoas mais velhas representam apenas custos para o Estado. Ficam a faltar programas comunitários de promoção da saúde e prevenção da doença, especificamente para adultos mais velhos, devidamente ativados em idades precoces. Incluímos aqui também a falta de uma estratégia de transição para a reforma, garantido que a liberdade de escolha de cada pessoa e a retenção de talento e experiência dos trabalhadores mais velhos. Esta visão remediativa, que investe apenas nos sistemas de prestação de cuidados, compromete, a nosso ver, oportunidades de saúde para as pessoas à medida que envelhecem.
Em suma, a ANG evidencia a inexistência de uma visão 360 graus na estratégia para o envelhecimento, devidamente pensada, estruturada e disponível para a população. Os programas eleitorais alimentam a ideia, já evidenciada pela ANG, que o processo legislativo e de produção de política pública tende a seguir um registo avulso, sem integração das diferentes áreas que compreendem o processo de envelhecimento e marcados por desenvolvimentos paradoxais.
Precisamos de mudanças de fundo, com um sentido de propósito.
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