Coronavírus e os desafios na prática clínica: vulnerabilidade nas pessoas mais velhas

O envelhecimento é um dos fatores que condiciona o aumento da prevalência de infeções respiratórias. O aparelho respiratório é uma das principais interfaces entre o ambiente externo e o ambiente interno e com o envelhecimento desenvolvem-se alterações que determinam maior suscetibilidade a agressões. A função respiratória deteriora-se, a eficácia da musculatura respiratória diminui e aumenta a rigidez estrutural da caixa torácica. O reflexo da tosse está comprometido, um importante mecanismo para a clearance das vias aéreas. A clearance de partículas e materiais orgânicos e inorgânicos é ainda prejudicada pela perda da estrutura de suporte do parênquima pulmonar e consequente dilatação dos espaços aéreos. Surgem diversas alterações na resposta imunoinflamatória com repercussões na imunidade inata e adquirida, nomeadamente compromisso funcional das células apresentadoras de antigénios e das células fagocitárias, menor capacidade efetora linfocitária, diminuição da produção de anticorpos e perda da sua eficácia. As alterações fisiológicas do envelhecimento condicionam maior suscetibilidade às agressões internas e externas, diminuindo a capacidade defensiva e de adaptação. 

As pessoas idosas são inevitavelmente mais vulneráveis ao desenvolvimento de COVID-19, doença infeciosa provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Os estudos têm mostrado que adultos com 60 ou mais anos, particularmente se na presença de doenças crónicas (patologia cardíaca, pulmonar, diabetes ou cancro), desenvolvem quadro clínicos mais graves e muitas vezes fatais, comparativamente com outros grupos. 

É essencial a implementação de medidas que diminuam a probabilidade de infeção e protejam os idosos. Aplicam-se medidas gerais, comuns a toda a população, como são a manutenção de distanciamento social e a higiene frequente das mãos, que perante um grupo de risco se mostram ainda de maior importância. Com o avançar da idade a existência de comorbilidades e doenças crónicas é mais provável, sendo a recorrência aos cuidados de saúde por este motivo mais frequente. Sabendo que no contacto com hospitais e centros de saúde o risco de exposição é maior, estas visitas devem ser evitadas e adiadas, privilegiando-se o contacto à distância. É difícil, mas necessário, o equilíbrio entre a redução de consultas e intervenções de saúde e a manutenção da estabilidade das patologias pré-existentes. 

É pedido aos idosos que fiquem em casa, é-lhes pedido que façam aquilo que nunca fizeram perante uma adversidade, que é “não fazer nada” dizem alguns. É uma luta diferente da que tiveram a vida toda, que tem de ser explicada e entendida, salientando-se aqui o nosso papel enquanto profissionais de saúde, enquanto cuidadores e enquanto família. O distanciamento social dos idosos traz-nos outra questão, o isolamento social. Santini et al. demonstraram que a desconexão social coloca os adultos mais velhos em elevado risco de depressão e ansiedade. Perante a indicação para ficar em casa, entrega domiciliária de bens essenciais e medicamentos e evicção de contacto com família e amigos, é urgente estabelecer medidas que mitiguem as consequências na saúde física e mental. Os idosos sem família próxima e cujo contacto com outras pessoas era feito apenas fora de casa, fosse em centros de dia ou locais de culto, em jardins ou no centro da aldeia, estão inevitavelmente mais suscetíveis.

Poderá ser a internet um meio de atenuar este distanciamento? De facto, pode, no entanto, a disparidade na alfabetização e no acesso a recursos digitais é grande na população idosa portuguesa. A solução pode passar por intervenções simples como o contacto telefónico frequente com pessoas importantes ou o apoio de organizações voluntárias ou profissionais de saúde e o desenvolvimento de projetos na comunidade que viabilize o apoio entre pares. Medidas que mantenham ocupadas as pessoas mais velhas devem ser implementadas, nomeadamente através da atribuição de tarefas específicas. O cumprimento das medidas de mitigação deve ser garantido, mas devem ser criadas estratégias de modo a evitar que a diminuição da mortalidade da COVID-19 se traduza no aumento da morbilidade relacionada com distúrbios afetivos. 

O cuidado na evicção da transmissão do vírus, com adoção de medidas de higiene e proteção individual rígidas, deve ser exímio nas equipas de apoio domiciliário. A vida dos idosos depende muitas vezes destas equipas e são muitas vezes estas pessoas fundamentais para evitar as consequências do isolamento, seja em tempo de pandemia ou fora dela. Assim, não é desejável que esta ajuda se torne uma vulnerabilidade ao aumentar o contacto com o exterior e a probabilidade de contacto com o vírus.

A implementação de estratégias dirigidas à segurança dos idosos deve ter em conta a especificidade dos residentes em lares ou outras instituições, expostos a grande variedade de pessoas, residentes ou trabalhadores, os quais muitas vezes exercem as suas funções no limite de recursos humanos e materiais.

E quando a infeção é inevitável e acontece, o que podemos esperar? Tal como referido anteriormente a capacidade de resposta do idoso é menor, sendo expectável o desenvolvimento de quadros clínicos mais graves. Sabe-se também que a mortalidade é maior, sejam os idosos admitidos ou não em unidades de cuidados intensivos.

Quer pela ausência de resposta clínica quer pela não existência de indicação para cuidados médicos invasivos, a Association for Geriatric Palliative Medicine (AGPM) tem promovido a integração de cuidados paliativos no cuidado ao idoso e muito idoso quer em ambiente hospitalar quer em casa, lar ou unidade de cuidados continuados. Assim, no âmbito da pandemia COVID-19 e perante a não indicação para cuidados invasivos e a escassez de recursos que se tem verificado em alguns países, a AGPM desenvolveu recomendações clínicas que visam a manutenção de cuidados paliativos no hospital ou no domicílio quando a vontade do doente é terminar a sua vida em ambiente familiar. Esta possibilidade requer avaliação cuidada da segurança do doente e co-habitantes e a garantia de manutenção dos melhores cuidados de suporte, sugerindo-se a atuação de equipas domiciliárias de enfermagem ou cuidados paliativos.

Todos e cada um de nós, e não só as autoridades de saúde locais, temos a obrigação e dever de cuidar e garantir o melhor para os que nos rodeiam, nos quais se incluem com todas as suas particularidades os nossos idosos.

Referências Bibliográficas: 

  • Teixeira MV. Geriatria fundamental – saber e praticar. Lidel. 2014 
  • Santini Z, Jose P, Cornwell E, et al. Social disconnectedness, perceived isolation, and symptoms of depression and anxiety among older Americans (NSHAP): a longitudinal mediation analysis. Lancet Public Health; 2020; 5: e62–70.
  • Armitage R, Nellums LB. COVID-19 and the consequences of isolating the elderly. Published online March 19, 2020.
  • Rolanda K, Markusb M. COVID-19 pandemic: palliative care for elderly and frail patients at home and in residential and nursing homes. Swiss Med Wkly. 2020



Sobre a autora:

​Daniela Soares Santos, mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Interna de Medicina Interna no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Com formação diversa em Geriatria no âmbito da formação em Medicina Interna. Médica de viatura médica de emergência e reanimação (VMER) no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Assistente nas aulas práticas de Propedêutica Médica I e II, unidades curriculares do 3º ano do Mestrado Integrado em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Voluntária na delegação de Coimbra da Cruz Vermelha Portuguesa, exercendo atividade no apoio social, emergência pré-hospitalar e apoio médico em eventos socioculturais e desportivos.

Daniela Soares Santos

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